Albergue da documentação referente ao blog curricular António Ferra e ao blog "o funcionamento de certas coisas"
sábado, 26 de janeiro de 2008
nos restos da cidade
desabitada que foi pelas parcelas de rio
e charcos da tempestade,
apenas na luz distante os barcos flutuam
encontro na noite o interior
das vozes que se calam ao meio-dia claro
na noite de lisboa as paredes tremem,
ainda que sejam cobertas de portas e de vidros
quando o sangue inesperado me corre pelo rosto
ninguém me falou na transparência dos vidros
e o cimento é demasiado opaco para que
os sinais se transformem nas ruas empedradas
onde as almas são intocáveis
e as raízes vão manietando
o meu corpo aberto sobre um sonho
onde passa um jardim
de costas para o estuário
escolho as palavras que gritam a cidade
e no mesmo movimento deixo que a água
me amoleça e trespasse
e a luz intermitente me adormeça o cansaço
só a ilusão de uma sombra cinzenta
resiste ao mar que me levou e me trouxe
morre de saudade este mar
incutiram-lha os de torna-viagem,
nada já reside nos outros, só em mim paira
o desmaio num sorriso acorrentado
aos olhos, procurando o novo mundo
como se fosse possível navegar ainda mais
in Com a Cidade no Corpo (edição da CML)
sexta-feira, 25 de janeiro de 2008
O vermelho e o Negro
10. clara:
«rio de mouro, vinte e dois de Outubro». Agora vou datar tudo. É necessário que assim seja. No tempo do gustavo era diferente. Agora não. Vou sair para o bar e ver se é saudável o rebanho guardado por mastins de três cabeças.
O bar situava-se no ventre de um bicho gigantesco. Era um rinoceronte com um enormíssimo corno no meio, como todos os rinocerontes, só que este entoava melodias em desuso, roncos imprecisos, enquanto galopava cego pela noite dentro e aparecia reflectido numa bola multifacetada de espelhinhos pendente do tecto.
Um homenzinho, baixinho e peludinho, sentou-se juntinho de si e pediu dois uisquezinhos. Sorveram-nos, passearam-nos pelas gargantas, e ele perguntou-lhe das suas fantasias.
- Não tenho fantasias, respondeu clara.
- Pois eu tenho-as. Gosto de me segurar num candeeiro como se fosse um trapézio e aí, sim, rodopiar toda a noite.
- Ah, isso é mais caro, muito caro mesmo, nada menos do que seiscentas mil dolzas. O homem pareceu agradado, já não via nada senão aquelas brancuras de carne e fixara-se a si próprio na imagem do candeeiro, viajando pelo sexo em círculos reflectidos num espelho existente no soalho.
de O Vermelho e o Negro
sexta-feira, 18 de janeiro de 2008
Silêncios Comprados
(...) E o cão, à chuva, fazendo jus ao seu carisma de “dog in the rain”. O cão que olhava os humanos com muita tristeza e condescendência, o pêlo molhado a escorrer lágrimas fieis.(...)
de Dog in the rain
Histórias e Teatrada Com Alguma Bicharada
A Casa- Mãe
quarta-feira, 9 de janeiro de 2008
Pedagogia Centrada na Pessoa
primeira e segunda edição
Pedagogia Centrada na Pessoa reune, em grande parte, artigos e relatos de experiência publicados em "O Jornal da Educação". Na altura despertou alguma curiosidade de leitura - daí a sua reedição - e assinla uma corrente e uma época.
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Nas entranhas do tempo / há uma roda dentada
Diferente consciência do facto poético, ou tão-só inquietação existencial decorrente da crise (e esgotamento) do homem, ao ponto de tornar a palavra «facto de consciência», como lhe chama George Steiner, talvez nunca tanto se tenha esperado da palavra poética, talvez nunca tanto se tenha esperado que a palavra poética assumisse o seu papel de antídoto contra «rotinas inertes» que impedem o homem de viver a poesia e o destino humano de vir a ser horizonte de esperança. Efeito da intolerância política, da intolerância religiosa, ou da falta de saber, da falta de conhecimento que corrompe aquela reserva de humanidade que responde pela condição do homem consigo mesmo? Tudo isso e muito mais, sobretudo quando a cultura vivida se torna incapaz de obstar à estética da violência que aflige as sociedades desenvolvidas.
texto de apresentação de Baptista- Bastos
A única e, afinal, muito pouca coisa, que me recomenda para falar de «A Palavra Passe» é porque sou um velho, constante e permanentemente surpreendido leitor de poesia. De tal forma a poesia se me torna indispensável que tenho por hábito ler, em voz alta, aqueles dos meus favoritos. António Ferra passou a fazer parte desses Dilectos, daqueles que, através das imagens que as palavras propiciam, tornam visível o invisível, e emocionante o que é impossível revelar por outros meios.
Estamos em presença da grande poesia, incluída na lógica da grande arte: a que exprime uma pessoal forma de verdade e um particular modo de ver e de dizer. E, também, aquela que dá notícias: dos dias cinzentos, do azebre da rotina, do espanto moroso, da cama desfeita, das esparsas pilhas de pequenas palavras, do entardecer, do excesso, da senhora de cabelos caídos. Eis a enternecedora lírica das ruas, por onde perpassam os outonos tristes e ocres, as convalescências da solidão, as primaveras frescas e verdes - e esse local de infância e de assombro que acaba logo ali.
António Ferra conta-nos a viagem móvel das cores longínquas de uma cidade, cuja severa opulência oculta uma humanidade obscura. Vejo-o muito próximo do Cesário, que nos falou de uma peculiar soturnidade, e onde o homem moderno, como objecto de interrogação, não perdeu o sentido da sua específica importância. O poeta dá-nos a palavra passe para o labirinto através do qual se manifesta a luta, por vezes exacerbada, entre o corpo e o espírito, a fé no amor que não precisa de argumentos e a violência de uma sociedade incapaz de tolerância e mais propensa aos sermões - como se infere desse surpreendente poema, «Chá e Lixo», que me parece ser o manifesto de uma dor suprema, com ergueres e recaídas, nunca com renúncias.
Um itinerário de vida, uma outra relação com o tempo, e um jogo de metáforas sobre a época tão trágica quanto ilusória que nos coube viver. Há, nestes poemas, que podem ser entendidos como uma ode degolada e inquietante, a consciência de que, apesar da derrota e da morte, temos de alimentar a teimosia da esperança. Assistimos, hoje, a uma alteração das paixões, e a uma anulação crescente dos paradigmas. Mas também presenciamos o reviver do princípio de que o homem é um ser de linguagem, e que, através dela, se procura uma outra identificação com o nosso tempo. Aí, a poesia tem uma decisiva palavra a dizer; como, aliás, sempre teve.
António Ferra diz-nos que todos nós vivemos no interior de todas as ausências, no mistério dos dias, e que nada é muito claro no crescer das vidas. Fornece-nos notícias de si mesmo. Com recato, com pudor e comovida discrição. Na incoerência dos dias só existe a coerência maravilhosa da poesia: a mecânica da alma a opor-se, tenazmente, às peripécias que nos agridem, em nome de um falacioso futuro. E, entretanto, há as bombas, as matanças que tentam aniquilar «o corpo ainda sensível à memória», como o poeta no-lo diz. E há, igualmente, esse bicho-de-conta que nos murmura:
Não há pressa, tenho o tempo todo para correr na praia, / o tempo de abrir o motor e o porão cheio de remadores extenuados / onde alguém provocou um curto-circuito na noite ameaçada / por uma instalação mal feita (... )
É um belíssimo pequeno livro. Se me permitem, aplico à arte de António Ferra o juízo de Rostropovitch sobre a «Sonata Arpeggione», de Shubert: «Foi escrita em lá menor e dura dez minutos. O que não quer dizer que seja uma obra menor. Nem curta. Pelo contrário». Este pequeno livro maior convida-nos a percorrer a intimidade dos grandes silêncios, nos quais reside a intensa obsessão da vida.
Texto lido na Livraria Bulhosa, numa terça- feira, 12 de Dezembro, 2006, na apresentação do livro de poemas «A Palavra-Passe» de António Ferra.
terça-feira, 8 de janeiro de 2008
uma colecção interessante da extinta "Moraes"
notas ao olhar suburbano e outras séries
segunda-feira, 7 de janeiro de 2008
domingo, 6 de janeiro de 2008
ÁGUA E FOGO
54 páginas. Formato 11×16 cm
Capa mole. Colecção Gema
ISBN 972-559-278-6
O sincelo deixa-me com os olhos presos no gelo, contemplando este palácio de silêncio. Não sinto frio, apetece-me segurar a tarde, porque hoje o sol quis ficar mais tempo a iluminar as árvores de cristal, a reflectir-me a alma na paisagem branca. Gostava de viver e morrer neste lugar.
sábado, 5 de janeiro de 2008
Foi a primeira peça que escrevi, e ilustrei em1978. Muito representada, quer por grupos de teatro amador quer em escolas. Foi musicada pelo Francisco Naia, pouco depois da sua publicação. Destaco a representação pelo Teatro Animação de Setúbal, para o qual fiz os figurinos, que infelizmente se perderam com as mudanças do grupo. A encenação foi do Carlos César e integrou o primeiro encontro de teatro para infância e Juventude , em Lisboa, em 1979(?). Este festival é paralelo à criação do Centro de Teatro para a Infância e Juventude (CPTIJ) de que fiz parte. Integravam este movimento nomes como João Brites – que deixou a sua marca na dinamização – e ainda o José Gil, também fundador, o José Caldas, o Carlos Fragateiro, o Delfim Miranda, entre outros.
O Teatro Para Crianças em Portugal - história e crítica
Ed. Caminho, 2006