sábado, 26 de janeiro de 2008


























NORTE é uma plaquette constituída por um conjunto de gravuras e de um poema estendido ao longo de catorze fragmentos em folhas soltas


















nos restos da cidade
desabitada que foi pelas parcelas de rio
e charcos da tempestade,
apenas na luz distante os barcos flutuam

encontro na noite o interior
das vozes que se calam ao meio-dia claro

na noite de lisboa as paredes tremem,
ainda que sejam cobertas de portas e de vidros
quando o sangue inesperado me corre pelo rosto

ninguém me falou na transparência dos vidros
e o cimento é demasiado opaco para que
os sinais se transformem nas ruas empedradas
onde as almas são intocáveis
e as raízes vão manietando
o meu corpo aberto sobre um sonho
onde passa um jardim

de costas para o estuário
escolho as palavras que gritam a cidade
e no mesmo movimento deixo que a água
me amoleça e trespasse
e a luz intermitente me adormeça o cansaço

só a ilusão de uma sombra cinzenta
resiste ao mar que me levou e me trouxe
morre de saudade este mar
incutiram-lha os de torna-viagem,
nada já reside nos outros, só em mim paira
o desmaio num sorriso acorrentado
aos olhos, procurando o novo mundo
como se fosse possível navegar ainda mais

in Com a Cidade no Corpo (edição da CML)

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

O vermelho e o Negro

O Vermelho e o Negro, uma separata da Antologia o Homem em Trânsito da editora Indícios do Oiro, é o número zero (edição de autor, não comercializável) desta série de livros de contos da colecção gema da editora Europress, que viria a publicar depois Olhar o Silêncio, Água e Fogo e Silêncios Comprados















10. clara:

«rio de mouro, vinte e dois de Outubro». Agora vou datar tudo. É necessário que assim seja. No tempo do gustavo era diferente. Agora não. Vou sair para o bar e ver se é saudável o rebanho guardado por mastins de três cabeças.
O bar situava-se no ventre de um bicho gigantesco. Era um rinoceronte com um enormíssimo corno no meio, como todos os rinocerontes, só que este entoava melodias em desuso, roncos imprecisos, enquanto galopava cego pela noite dentro e aparecia reflectido numa bola multifacetada de espelhinhos pendente do tecto.
Um homenzinho, baixinho e peludinho, sentou-se juntinho de si e pediu dois uisquezinhos. Sorveram-nos, passearam-nos pelas gargantas, e ele perguntou-lhe das suas fantasias.
- Não tenho fantasias, respondeu clara.
- Pois eu tenho-as. Gosto de me segurar num candeeiro como se fosse um trapézio e aí, sim, rodopiar toda a noite.
- Ah, isso é mais caro, muito caro mesmo, nada menos do que seiscentas mil dolzas. O homem pareceu agradado, já não via nada senão aquelas brancuras de carne e fixara-se a si próprio na imagem do candeeiro, viajando pelo sexo em círculos reflectidos num espelho existente no soalho.

de O Vermelho e o Negro

















Em 1970, já tinha feito uma experiência nesta forma de edição de autor , a plaquette, em conjunto com Wanda Ramos (1948-1998), que participou com os poemas que deram o título à publicação






















Em 2005, fiz uma experiência de uma plaquette em edição artesanal de vinte exemplares, numerados e assinados, de um «livre d'artiste» (para utilizar a designação franacesa que deu nome a este tipo de edições)

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Silêncios Comprados


















(...) E o cão, à chuva, fazendo jus ao seu carisma de “dog in the rain”. O cão que olhava os humanos com muita tristeza e condescendência, o pêlo molhado a escorrer lágrimas fieis.(...)

de Dog in the rain

Histórias e Teatrada Com Alguma Bicharada



















Talvez um dos intereses desta peça seja o aspecto ecológico da preservação da água, o que é dado na cena das rãs.
As ilustrações são minhas, sendo esta capa uma colagem

A Casa- Mãe



















É um livro autobiográfico com relatos de experiência ligados ao ensino e também a grupos de formação. Foi baseado numa entrevista feita para este efeito, onde refiro os meus contactos com as correntes rogereanas e antropoanalíticas a que estive ligado, sobretudo nos anos oitenta, bem como a Max Pagès. O livro tem um capítulo final deste psicisociólogo francês, com quem trabalhei e aprendi, nessa altura, e ainda pela década de noventa. Ele tem um modelo dialéctico em que pretende integrar três vertentes: Freud e psicanálise, a bioenergia de Reich e o marxismo.
Talvez a componente autobiográfica neste meu livro tenha sido um pouco precoce...

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008



















Aqui relato e analiso experiências em dramaterapia, role-play e grupos de formação.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Pedagogia Centrada na Pessoa


















primeira e segunda edição

Pedagogia Centrada na Pessoa reune, em grande parte, artigos e relatos de experiência publicados em "O Jornal da Educação". Na altura despertou alguma curiosidade de leitura - daí a sua reedição - e assinla uma corrente e uma época.

,




















Prefácio de Vergílio Alberto Vieira
Tudo acontece como se

Nas entranhas do tempo / há uma roda dentada
Iosif Brodskii, Paisagem Com Inundação

Diferente consciência do facto poético, ou tão-só inquietação existencial decorrente da crise (e esgotamento) do homem, ao ponto de tornar a palavra «facto de consciência», como lhe chama George Steiner, talvez nunca tanto se tenha esperado da palavra poética, talvez nunca tanto se tenha esperado que a palavra poética assumisse o seu papel de antídoto contra «rotinas inertes» que impedem o homem de viver a poesia e o destino humano de vir a ser horizonte de esperança. Efeito da intolerância política, da intolerância religiosa, ou da falta de saber, da falta de conhecimento que corrompe aquela reserva de humanidade que responde pela condição do homem consigo mesmo? Tudo isso e muito mais, sobretudo quando a cultura vivida se torna incapaz de obstar à estética da violência que aflige as sociedades desenvolvidas.
Tentado a questionar-se sobre a necessidade de saber que tempo, afinal, vivemos, nós, quis António Ferra fazer do seu discurso, não um efeito de estilo, mas um processo de comunicação poética concretamente dirigido à consciência de si, que o mesmo é dizer: à consciência do tempo que somos: «(...) tudo isso está perdido dentro de mim», entenda-se: « (...) mas com uma nostalgia tramada (...)» ( in «perdi a password» ). O que releva, porém, de uma estética que conhece o risco de poder inflectir para lugares da escrita redutores do impulso criador: «olhem para mim de poema panfletário na ponta das teclas» - variante da «maldição» que o juízo crítico se encarregou de situar no quadro das manifestações artísticas do século transacto (Surrealismo, Vanguardas, etc.) – é antes a conquista de um espaço literário marcado pela possibilidade da poesia, enquanto princípio unificador da totalidade do homem (e da sua historicidade): « (...) é preciso calafetar a alma», escreve o poeta: « (...) como se estivesse o mundo global em gestação dentro de mim» (in «fazia o favor de me» ). Isto, apesar de ter conhecimento de que, na vida, já lhe é exigido: «(...) muito, muito mais do que o necessário» e que na «europinha», das sociedades satisfeitas, insiste Steiner, ainda pesa: «(...) a porra do pecado original». Não é fácil continuar a ser «politicamente incorrecto» e tornar o poeta (leia-se: o ente histórico) voz de eleição, sem querer: «(...) pôr fim à porcaria dos poemas encharcados de quotidiano / até cheirar mal», como diz o poema «canalização», nomeadamente quando verbalizar a vida diária em tempo de fuga é tarefa de Sísifo para o poeta, a braços com uma experiência humana exausta.
Assim sendo, registe-se em que medida esta poesia – herdeira a seu modo do inconformismo que levara a Beat Generation a romper com todos e contra todos, primeiro, para tudo e todos aceitar, mais tarde – tende a expor a sua rebeldia. «(...) quero respirar, quero escrever o que me vem à cabeça / com todos os sentidos, depois logo se vê.» sem, no entanto, se prender à maldição baudelairiana (ou pós-baudelairiana) e abdicar do dispositivo retórico que a aproxima de um sentido espiritual, sentimental e poético próprios: «E depois há ainda o tempo todo/para servir a alma de um bicho de conta enrolado sobre si» (in «bicho de conta» ). Uma última anotação para as rupturas discursivas operadas, não apenas conjunturalmente, mas verso a verso, uma vez que os mecanismos formais e imagética accionados se transformam, a breve trecho, na marca distintiva (marca de artista) mais obsessivamente reiterada em A Palavra Passe. Trata-se, com efeito, daquilo a que George Steiner, em Extraterritorial: a literatura e a revolução da linguagem, denomina «condição de uso linguístico, lexical e sintáctico», e da qual depende, em última análise, a percepção ontológica desta poética, com frontalidade jogada à consciência colectiva daquele «sereno desespero» thoreauniano que há-de continuar a fazer-nos «progredir no declínio», ou fazer do presente, como assinalou Raoul Vaneigem, um verbo «conjugado no passado» .

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A LÍRICA DAS RUAS EM ANTÓNIO FERRA

texto de apresentação de Baptista- Bastos


A única e, afinal, muito pouca coisa, que me recomenda para falar de «A Palavra Passe» é porque sou um velho, constante e permanentemente surpreendido leitor de poesia. De tal forma a poesia se me torna indispensável que tenho por hábito ler, em voz alta, aqueles dos meus favoritos. António Ferra passou a fazer parte desses Dilectos, daqueles que, através das imagens que as palavras propiciam, tornam visível o invisível, e emocionante o que é impossível revelar por outros meios.
Estamos em presença da grande poesia, incluída na lógica da grande arte: a que exprime uma pessoal forma de verdade e um particular modo de ver e de dizer. E, também, aquela que dá notícias: dos dias cinzentos, do azebre da rotina, do espanto moroso, da cama desfeita, das esparsas pilhas de pequenas palavras, do entardecer, do excesso, da senhora de cabelos caídos. Eis a enternecedora lírica das ruas, por onde perpassam os outonos tristes e ocres, as convalescências da solidão, as primaveras frescas e verdes - e esse local de infância e de assombro que acaba logo ali.
António Ferra conta-nos a viagem móvel das cores longínquas de uma cidade, cuja severa opulência oculta uma humanidade obscura. Vejo-o muito próximo do Cesário, que nos falou de uma peculiar soturnidade, e onde o homem moderno, como objecto de interrogação, não perdeu o sentido da sua específica importância. O poeta dá-nos a palavra passe para o labirinto através do qual se manifesta a luta, por vezes exacerbada, entre o corpo e o espírito, a fé no amor que não precisa de argumentos e a violência de uma sociedade incapaz de tolerância e mais propensa aos sermões - como se infere desse surpreendente poema, «Chá e Lixo», que me parece ser o manifesto de uma dor suprema, com ergueres e recaídas, nunca com renúncias.
Um itinerário de vida, uma outra relação com o tempo, e um jogo de metáforas sobre a época tão trágica quanto ilusória que nos coube viver. Há, nestes poemas, que podem ser entendidos como uma ode degolada e inquietante, a consciência de que, apesar da derrota e da morte, temos de alimentar a teimosia da esperança. Assistimos, hoje, a uma alteração das paixões, e a uma anulação crescente dos paradigmas. Mas também presenciamos o reviver do princípio de que o homem é um ser de linguagem, e que, através dela, se procura uma outra identificação com o nosso tempo. Aí, a poesia tem uma decisiva palavra a dizer; como, aliás, sempre teve.
António Ferra diz-nos que todos nós vivemos no interior de todas as ausências, no mistério dos dias, e que nada é muito claro no crescer das vidas. Fornece-­nos notícias de si mesmo. Com recato, com pudor e comovida discrição. Na incoerência dos dias só existe a coerência maravilhosa da poesia: a mecânica da alma a opor-se, tenazmente, às peripécias que nos agridem, em nome de um falacioso futuro. E, entretanto, há as bombas, as matanças que tentam aniquilar «o corpo ainda sensível à memória», como o poeta no-lo diz. E há, igualmente, esse bicho-de-conta que nos murmura:

Não há pressa, tenho o tempo todo para correr na praia, / o tempo de abrir o motor e o porão cheio de remadores extenuados / onde alguém provocou um curto-circuito na noite ameaçada / por uma instalação mal feita (... )
É um belíssimo pequeno livro. Se me permitem, aplico à arte de António Ferra o juízo de Rostropovitch sobre a «Sonata Arpeggione», de Shubert: «Foi escrita em lá menor e dura dez minutos. O que não quer dizer que seja uma obra menor. Nem curta. Pelo contrário». Este pequeno livro maior convida-nos a percorrer a intimidade dos grandes silêncios, nos quais reside a intensa obsessão da vida.


Texto lido na Livraria Bulhosa, numa terça- feira, 12 de Dezembro, 2006, na apresentação do livro de poemas «A Palavra-Passe» de António Ferra.


terça-feira, 8 de janeiro de 2008

uma colecção interessante da extinta "Moraes"


















Colecção Palco, série Pistas. Divulgava-se por aqui muito teatro, nomeadamente Teatro para a infãncia.
Uma das razões que levou ao escassez de textos de teatro publicados foi o facto de os grupos de teatro fugirem à peça de autor vivo para não terem despesas de direitos de autor. Assim, podemos ver belíssimos trabalhos em cena, mas baseados noutras histórias conhecidas, património universal e / ou popular

notas ao olhar suburbano e outras séries

Olhar suburbano foi um tema que surgiu a partir da técnica da colagem que aqui desenvolvi. Utilizo principalmente materias de revistas ou jornais. Foi esta a minha grande escola da colagem. Depois, através do retrato, desenvolvi outros aspectos da utilização de materiais diversicados, como este que se segue, uma caixa onde utilizo elementos electrónicos



segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

domingo, 6 de janeiro de 2008

ÁGUA E FOGO


















54 páginas. Formato 11×16 cm
Capa mole. Colecção Gema
ISBN 972-559-278-6

O sincelo deixa-me com os olhos presos no gelo, contemplando este palácio de silêncio. Não sinto frio, apetece-me segurar a tarde, porque hoje o sol quis ficar mais tempo a iluminar as árvores de cristal, a reflectir-me a alma na paisagem branca. Gostava de viver e morrer neste lugar.


















Este livro, editado pela então Associação Comunitária de Saúde Mental, relata experiências de trabalho e abre com a teorização da relações interpessoais - do nível pessoal ao nível institucional societário, de acordo com o modelo antropoanalítico. A edição é de 1992

sábado, 5 de janeiro de 2008


















Foi a primeira peça que escrevi, e ilustrei em1978. Muito representada, quer por grupos de teatro amador quer em escolas. Foi musicada pelo Francisco Naia, pouco depois da sua publicação. Destaco a representação pelo Teatro Animação de Setúbal, para o qual fiz os figurinos, que infelizmente se perderam com as mudanças do grupo. A encenação foi do Carlos César e integrou o primeiro encontro de teatro para infância e Juventude , em Lisboa, em 1979(?). Este festival é paralelo à criação do Centro de Teatro para a Infância e Juventude (CPTIJ) de que fiz parte. Integravam este movimento nomes como João Brites – que deixou a sua marca na dinamização – e ainda o José Gil, também fundador, o José Caldas, o Carlos Fragateiro, o Delfim Miranda, entre outros.



O Teatro Para Crianças em Portugal - história e crítica

por Glória Bastos

Representando esta vertente socialmente empenhada, temos ainda António Ferra, com vários livros publicados para teatro. Os seus textos, aliando fanta­sia e realidade, revelam preocupações sociais evidentes, quer pelo recurso a fi­guras-tipo (caso da peça que obteve o 2.° prémio de Teatro Infantil da SEC, em 1980, Caleidoscópio, com personagens como «o operário», «o camponês» ou «Maria, a mulher» ) quer através de personagens-animais e do seu discurso, como acontece, por exemplo, em Histórias e Teatrada... (1995) onde, a certa altura, três rãs comentam como os homens gastaram a água do lago e os males daí resul­tantes. Em Zé Mandão... (1978) temos uma crítica à sociedade industrializada que se preocupa apenas com o lucro, e uma reflexão sobre uma realidade que nem sempre corresponde a um sonho «cor-de-rosa», e que é sobretudo no es­forço conjunto e na cooperação que se pode construir um mundo melhor: «Belinda: Já comecei a aprender / que a vida não são só rosas, / o céu, a mon­tanha, o ribeiro/ quand'há gente que faz tudo/ pr'a conseguir mais dinheiro.»(P. 21) Neste texto ainda, a figura do Clown-Corremundo (novamente o palha­ço como um importante elemento mediador do conhecimento) surge como aque­le que tem uma perspectiva diferente sobre as coisas, mormente sobre as máquinas que roubam o «ganha-pão», ensinando os habitantes da vila a tirarem partido da máquina, que deixa de ser pertença de um para ser de todos (promoção do espírito cooperativista).

Ed. Caminho, 2006

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008



















Esta peça vem na sequência da anterior. A personagem é a mesma - o Corremundo.
Foi representada por vários grupos de teatro amador e em escolas básicas.
As ilustrações são também da minha autoria.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008